Hostilizado pelos sindicatos de táxi, que em massa buscaram a Justiça para tentar impedir sua atuação no Brasil, o aplicativo Uber — que conecta motoristas autônomos e pessoas em busca de transporte — resolveu contra-atacar. A empresa contratou o professor de Direito Constitucional Daniel Sarmento, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para analisar se o serviço que oferece realmente fere as leis brasileiras.
O parecer, que foi entregue na última segunda-feira (13/7), é categórico: os protestos não atendem ao interesse público, mas visam somente garantir a reserva de mercado. O documento deverá ser usado pelo aplicativo para contestar as ações judicias e defender a legalidade dos serviços que presta no Brasil.
O Uber é alvo de uma ação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica movida pelos sindicatos de táxi, que o acusa de “práticas anticoncorrenciais”. No Judiciário, o aplicativo responde a processos nas cidades onde atua. Em abril deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulosuspendeu a atividade da empresa, por considerá-la clandestina. O descumprimento estava sujeito a multa diária de R$ 100 mil. No mês seguinte, a corte voltou atrás e hoje o serviço funciona normalmente.
Por oferecer uma frota composta por carros de luxo, facilitar o pagamento diretamente no cartão de crédito e inclusive apresentar a rota e o valor estimado para o trajeto quando da solicitação do serviço, o aplicativo caiu no gosto de usuários e acendeu a ira de taxitas, que acusam a empresa de concorrência desleal.
Nas 40 páginas que escreveu, porém, Daniel Sarmento aponta que a atividade do Uber se enquadra no setor de transporte privado de passageiros, que não é privativa dos motoristas de táxi. Segundo o parecer, o transporte privado de passageiros tem previsão na Lei 12.587/2012, que estabeleceu a política nacional de mobilidade urbana. Embora esteja sujeito ao controle estatal, são as regras de livre concorrência que valeriam para esse tipo de atividade.
“Portanto, a criação de embaraços estatais à competição, com a instituição de reservas e privilégios a empresas ou grupos específicos, viola não apenas os direitos dos potenciais concorrentes prejudicados. Mais que isso, ela ofende os interesses dos consumidores e da própria sociedade”, diz o professor no documento.
Segundo Sarmento (foto), o transporte individual de passageiros fica fora do conceito de serviço público, “pois não possui o seu regime jurídico característico, seja porque não visa a suprir uma necessidade essencial, cujo atendimento mereça ser universalizado, diferentemente do que ocorre com o serviço de transporte coletivo de passageiros”, como prestado pelos taxistas.
É que, diferentemente dos motoristas de táxi, que por prestarem serviço de utilidade pública estão sujeitos à forte regulação estatual, o serviço oferecido pelo Uber se caracteriza como uma atividade econômica comum, também sujeita a fiscalização do Estado, porém de forma menos intensa. Pelo princípio da livre empresa, Sarmento afirma que a falta de regulamentação da atividade econômica não a torna ilícita nem impede que seja exercida.
“Em razão do referido princípio, o exercício da atividade econômica em sentido estrito, como desempenhada pela consulente [Uber] e pelos seus motoristas credenciados, não depende de prévia licença ou autorização estatal, até o eventual advento de regulamentação estatal que disponha em sentido contrário”, defende o parecer.
Sarmento diz ainda que a dimensão do princípio da livre concorrência vem cada vez mais “sendo acentuada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, exatamente para rechaçar a criação legal de reservas de mercado”. Ele reconhece que a liberdade de concorrência e a livre iniciativa não são protegidos pela Constituição de modo absoluto, mas afirma que o caso do aplicativo “não passa de tentativa de reserva de mercado para taxistas”.
Competência exclusiva
No documento, Sarmento destacou que o Legislativo de alguns municípios onde o Uber atua têm estudado leis para a atividade. Contudo, ele entende que vereadores não teriam essa competência. “Apenas a União Federal pode disciplinar a atividade de transporte individual de passageiros, em razão da sua competência privativa para legislar sobre transportes.”
Presença mundial
Atualmente o Uber atua em 311 cidades de 58 países. No Brasil, chegou em 2010. As atividades se concentram em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte. Os motoristas cadastrados repassam à empresa cerca de 20% do que recebem pela corrida.
O aplicativo informou que credencia apenas motoristas profissionais, com carteiras de habilitação que os autorizam a exercer a atividade remunerada de condutor de veículos. E que a manutenção deles no cadastro depende das avaliações feitas pelos usuários no próprio app.
Os protestos não ocorrem apenas no Brasil. Na França, por exemplo, taxistas pararam as ruas de Paris e chegaram a atear fogo em carros como forma de protesto contra o aplicativo. No México, estuda-se formas de se regulamentar o uso do aplicativo.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-jul-15/aplicativo-uber-nao-fere-leis-brasileiras